O Vendedor de Sapatos

 

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A tão esperada viagem

O sol apontava no horizonte quando Ricardo abriu as janelas. Aquele era o dia que aguardava por mais de um ano. Foram meses organizando as férias que o levariam para conhecer alguns países da América do Sul e em especial a misteriosa cidade de Machu Pichu, no Peru. Desde pequeno o jovem sempre sonhara em conhecer aquele lugar construído dentre as montanhas, casas e ruas em um lugar completamente isolado do mundo; algo único capaz de sobreviver por séculos e ainda ser capaz de encantar milhares de visitantes. Ele e seu amigo Pedro tinham feito um roteiro impecável, hotéis, transporte e cada lugar repleto de histórias que gostariam de visitar.

            Ricardo tinha apenas mais um dia de trabalho pela frente e tratou de tomar seu banho e se arrumar o mais rápido possível. Não queria chegar atrasado e causar qualquer problema, tudo tinha que correr como o planejado.

            Estava ansioso demais quando subiu no mesmo ônibus de todos os dias que quase se esqueceu do ponto em que teria de descer, afinal levar um café para seu amigo seria fundamental para mantê-los despertos o suficiente para resolver tudo que o chefe da sessão pedisse. Ele e Pedro eram analistas de sistemas e trabalhavam criando programações para sistemas de cobrança online. Era algo que Rick, como era conhecido entre seus amigos, sempre gostou de fazer desde o começo de sua adolescência, quando deixava de jogar bola para desenvolver pequenos websites e os mais diversos sistemas que nunca o deixaram fazer sucesso entre as garotas, mas que sempre o colocavam no topo dos fóruns de programadores web. Algo de que se orgulhava e que o levou a uma universidade particular. Isso o obrigou a entrar no mercado de trabalho muito cedo, visto que seus pais não teriam condições de pagar por seus estudos, e nada que o chateasse afinal ganhar seu próprio dinheiro fez com que o jovem realizasse todos aqueles pequenos desejos da vida.

            Conheceu Pedro logo no início dessa jornada universitária e talvez tenham se aproximado mais que os outros alunos por suas trajetórias se parecessem um pouco. E assim foi até o final do ensino superior quando já trabalhavam na mesma empresa e agora planejavam a viagem que os levaria ao outro lado do continente, andando pelo famoso Trem da Morte e tendo a chance de conhecer novas garotas e se entregarem para novas aventuras.

            Assim Ricardo chegou ao departamento que ainda estava vazio. Acordara tão cedo que nem tinha percebido estar antes do horário convencional para uma sexta-feira de final de mês. Com tantos projetos já em fase final o pessoal deixava para chegar mais tarde e aproveitar um bom happy hour no final do expediente. Mas ele não queria isso, não hoje. Sentou-se e logo abriu seu e-mail para resolver todas as pendências o quanto antes, tudo tinha q sair como o planejado.

 

            Pedro chegou às 10h30 e sem cumprimentar os colegas se sentou no lugar de sempre, de frente para seu velho amigo de faculdade. Ele não parecia estar tão empolgado e sem nada falar os dois continuaram o trabalho até a hora do almoço, quando outros colegas quebraram o gelo levantando para comer.

            Ricardo teve uma sensação estranha, aquilo não era normal e talvez uma breve conversa durante a refeição pudesse solucionar o que estava acontecendo.

 

            - Eai Pedro, animado pra amanhã? Vamos mesmo ir comprar os últimos detalhes para nossa viagem? – E o amigo nada respondia. – Olha, eu achei essa pousada aqui em Cusco que pode ser um pouco mais barata se chegarmos um dia antes do previsto. – E seu companheiro de mesa nem se mexia, comendo quase que como um robô. Nem quando Ricardo tirou um pequeno folheto para lhe mostrar a tal pousada. – Cara está tudo bem?

            - Rick, o pessoal do departamento esta vindo e vão comer conosco. Depois falamos disso, tudo bem?

 

            A mesa foi preenchida por mais seis pessoas e o assunto voltou a ser futebol, mulheres e seriados para mais um final de semana. Tudo estava estranho e a falta de empolgação de seu amigo começou a perturbar Ricardo. Até que no final do expediente, antes do famoso happy hour, Pedro se aproximou da mesa com um olhar fúnebre. Apoiou-se sobre a baia de trabalho colocando o cotovelo esquerdo sobre a divisória e inclinando levemente seu corpo pra frente para cobrir a conversa dos outros colegas que trabalhavam por ali.

 

            - Ricardo, não vou mais poder viajar contigo.

            Aquilo caiu como uma bomba no peito do jovem programador, que virou sua cadeira em direção do amigo tentando entender o que estava sendo dito.

            - Como assim cara? Nós plane....

            - Rick, eu voltei com a Sabrina e vamos nos casar.

            - Mas cara. Ficamos anos falando sobre essa viagem.

            - Eu sei, mas você sabe o que ela significa pra mim e sabe que ela não quer que andemos mais juntos. Espero que entenda. Eu já troquei meu voo, acha que consegue cancelar os hotéis e pousadas?

            - Trocou? Assim, sem me dizer nada antes?

            - Estou te dizendo agora. Troquei para aproveitar e ir com ela para o nordeste. Lá vamos retomar nosso relacionamento e decidir as coisas do casamento.

            - Cara, isso não faz sentido. Como assim? Eu planejei tudo, mudei todos meus compromissos e reservei essas férias apenas para fazermos essa viagem que planejamos há tanto tempo. O que deu em você? – E Ricardo se alterou levantando da cadeira para tentar comover mais diretamente seu amigo.

            - Você está se alterando como sempre Ricardo, eu preciso ir, a Sá está me esperando lá em baixo. Espero que entenda. – E Pedro jogou um envelope sobre a mesa de seu amigo antes de dar de costas rumo a saída.

 

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Decepção de um (des) planejar

Ele ficou ali sentando na mesma posição por quase uma hora sem saber o que fazer. Naquele momento só conseguia sentir raiva de tudo ao seu redor. Olhando para o maldito envelope seus sentimentos pioraram ao pensar na garota que colocou seu melhor amigo em depressão há alguns anos e que desde então vinha atormentando os dias de Pedro. No fundo ambos sabiam que isso ia acontece. No fundo Ricardo sabia que perderia seu amigo para aquela que o traíra mais de uma vez e agora estava de volta para acabar com sua viagem e amizade.

            Ele estava inconformado, suas mãos apertavam forte o braço da cadeira como se suas forças pudessem dar alguma luz para mudar o que sentia. Abriu o envelope e lá estavam todas as anotações que fizeram juntos por anos para a tal viagem. Folders de inúmeros passeios, aluguéis de automóveis e motos. Guias e endereços de onde comprar roupas, comida e presentes. Tudo o que rabiscaram sobre datas, valores e o que teriam que fazer para juntar o dinheiro necessário para completar o que precisariam para realizar seus sonhos.

            E trinta minutos depois o departamento estava vazio como na naquela manhã. Ele estava ali sozinho quando o segurança veio apagando as luzes:

            - Boa noite, temos ordens para desligar tudo e fechar as portas, acho que o senhor precisa ir embora.

            Ele ameaçou despejar toda sua ira sobre o guarda noturno, mas o que aquele homem tinha a ver com os problemas que enfrentava agora? De quem era a culpa por tudo aquilo? Levantou-se da mesa em um movimento brusco, mal se lembrando de desligar o computador. Ele não pensava mais em nada, estava tomado por um sentimento de angústia que preenchia seu peito de uma forma inexplicável. Em poucos minutos tinha perdido seu melhor amigo e estava sozinho na viagem que sempre quis fazer.

            - Pro inferno essa viagem também! – Resmungou sozinho em seu caminho de volta, falando entre seus dentes com uma voz carregada de ódio. – Não sei de onde tirei a cretina ideia de viajar com aquele pau-mandado. Nunca me ajudou em nada e agora essa. Que volte para aquela garota que só o fez sofrer!

 

            E com aquele pensamento em riste tudo conspirava contra Ricardo. Ele perdera o ônibus e decidiu não esperar 40 minutos até que o próximo passasse. Seguiu seu caminho para casa, algo como 1h30 de caminhada pelas ruas de São Paulo.

 

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